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quarta-feira, 30 de maio de 2012

Bahia de todos os santos

 O povo é doce, acolhedor e ruidoso, mas também dotado de certa timidez, fruto da mistura de portugueses e negros. Nesta cidade onde se conversa muito, sopra uma aragem marítima constante e o tempo ainda não adquiriu a velocidade dos grandes centros urbanos. A topografia é privilegiada: situada entre o mar e o morro, divide-se em Cidade Alta e Cidade Baixa e se abre para o mar.
Jorge Amado compõe aqui um guia das ruas e dos mistérios de São Salvador da Bahia de Todos os Santos, a cidade da Bahia, “negra por excelência”, fundada em 1549. O autor descreve os bairros proletários e os nobres, as feiras e os mercados, as inúmeras ladeiras e ruas da cidade, e apresenta as praias locais, como Itapuã, Amaralina, Pituba e o Farol da Barra.
Além de traçar a cartografia do lugar, faz uma crônica dos costumes da população baiana: discorre sobre as igrejas, as macumbas e os terreiros, as comidas típicas, a lavagem da igreja de Nosso Senhor do Bonfim, as homenagens a Iemanjá e a são João, entre outras festas populares. O autor investiga o caráter do baiano, valorizando a mestiçagem do povo e as contradições de seu espírito libertário e conservador.
Apesar do esforço histórico e interpretativo para compreender Salvador, Jorge Amado chama a atenção para o mistério que recobre a cidade. De onde ele vem, ninguém sabe. Dos batuques do candomblé? Dos saveiros do cais? Das igrejas? Do mercado? Da Baixa dos Sapateiros? O escritor recomenda que não se tente decifrar os segredos da cidade, pois seus mistérios envolvem por completo o corpo, a alma e o coração dos baianos.

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Escrito em 1944, este relato sobre a cidade de Salvador foi publicado no ano seguinte. O autor reviu e atualizou o livro no decorrer do tempo, mas o texto não mudou substancialmente de edição para edição, até mesmo porque “não mudou a Bahia no fundamental, em sua beleza antiga e em seus problemas”, como anotou o próprio Jorge Amado.
Canto de louvor à cidade da Bahia, o livro evita, porém, o pitoresco dos guias turísticos. Passa em revista as belezas e as qualidades da capital baiana, e faz questão de abordar também suas misérias e dores. Jorge Amado relembra que as ruas da cidade conservam as marcas da escravidão e que há questões crônicas de saúde e de moradia que atingem a população mais pobre.
No começo e no final do livro, o autor se dirige a uma leitora imaginária, que ele convida a conhecer a cidade, tanto em seus atrativos quanto em seus dramas. O mesmo procedimento de aproximação com o leitor ocorre em outros livros seus escritos nessa época: ABC de Castro Alves e O cavaleiro da esperança.
Ecos da intensa atividade política do autor podem ser sentidos no texto, já que no ano de publicação do livro Jorge Amado foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro. O livro mantém ainda o espírito do momento histórico em que foi escrito. Há referências à Segunda Guerra Mundial e à situação geopolítica mundial. Para Jorge Amado, isso confere ao livro um sabor de “documento de época”, pois descreve a vida de uma cidade brasileira durante a guerra contra o nazi-fascismo.

    Escorre o mistério sobre a cidade como um óleo. Pegajoso, todos o sentem. De onde ele vem? Ninguém o pode localizar perfeitamente. Virá do baticum dos candomblés nas noites de macumba? Dos feitiços pelas ruas nas manhãs de leiteiros e padeiros? Das velas dos saveiros no cais do mercado? Dos Capitães da Areia, aventureiros de onze anos de idade? Das inúmeras igrejas? Dos azulejos, dos sobradões, dos negros risonhos, da gente pobre vestida de cores variadas? De onde vem esse mistério que cerca e sombreia a cidade da Bahia?
“Roma negra”, já disseram dela. “Mãe das cidades do Brasil”, portuguesa e africana, cheia de histórias, lendária, maternal e valorosa. Nela se objetiva, como na lenda de Iemanjá, a deusa negra dos mares, o complexo de Édipo. Os baianos a amam como mãe e amante, numa ternura entre filial e sensual. Aqui estão as grandes igrejas católicas, as basílicas, e aqui estão as grandes macumbas, o coração da seita fetichista dos negros brasileiros. Se o arcebispo é o primaz do Brasil, o pai Martiniano do Bonfim era uma espécie de papa das seitas negras em todo o país.


http://www.jorgeamado.com.br/obra.php3?codigo=12601

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